A 021 Inovação nasceu em 2014 com uma antecipação de cerca de 3 anos e uma mudança nas atividades iniciais: queríamos criar uma empresa para trabalhar com desenvolvimento de jogos/aplicações para o mundo empresarial, mas a empresa foi criada para atender projetos de automação de software a partir de um freela que virou um negócio.
O nascimento foi muito sofrido. Não pela falta de clientes ou de grana, mas por um fator já conhecido por qualquer brasileiro: a burocracia. E tanto pública quanto privada – esta última quase me deixou louco e é o principal foco deste texto.
Em um cenário comum de criação de empresa, temos um fluxo (macro!) mais ou menos assim:
- Definimos o que a empresa fará
- Abrimos a empresa
- Abrimos uma conta corrente no banco
- Conseguimos nossos clientes
- Vendemos nossos produtos/serviços
- Emitimos as notas fiscais
- Recebemos dos clientes
No caso da 021 Inovação, a ordem foi mais ou menos assim:
- Conseguimos nossos clientes
- Vendemos nossos produtos/serviços
- Abrimos a empresa
- Abrimos uma conta corrente no banco
- Emitimos as notas fiscais
- Recebemos dos clientes
- Definimos o que a empresa fará
Os passos 1 e 2 estavam concluídos. Parece ótimo, certo? Conseguir a primeira venda antes mesmo da empresa existir oficialmente? Sim, seria ótimo se as coisas em nosso país fossem mais dinâmicas e os processos não fossem tão arcaicos. Do passo 3 ao 6 foi um desespero… Vários desesperos para ser mais correto.
Esta mudança na ordem “natural” das coisas causou uma série de furdúncios porque, após a primeira venda, nos vimos na seguinte situação:
- O cliente precisava dos dados da empresa (inclusive bancários) para cadastrar a 021 Inovação como fornecedor e iniciar o processo de contratação.
- Precisávamos da empresa constituída para emitir a nota fiscal de entrada do projeto para formalizar o início dos trabalhos.
- O banco precisava dos dados da empresa para abrir a conta corrente.
Apesar do trabalho sensacional do escritório contábil que nos atende para abrir a empresa, esbarramos em cenários de greve em setores públicos que atrasaram demais o processo de abertura. E quando as greves acabaram, houve mais demora devido ao volume altíssimo de solicitações que ficaram acumuladas.
Com CNPJ criado e registros realizados nos órgãos competentes, iniciamos a saga de abrir a conta corrente no banco. Sem isso, ainda não seria possível ser cadastrado como fornecedor de nosso cliente.
Os dois primeiros bancos que fomos não conseguimos ser atendidos pelo gerente porque o CNPJ era muito recente. Precisava ter pelo menos 1 ano.
Fui ao banco em que sou correntista como pessoa física (acreditando que poderia ter alguma vantagem). Consegui ser pelo menos recebido. O primeiro diálogo com a gerente, de forma resumida, foi mais ou menos assim:
[Gerente] Seu CNPJ é muito novo… É arriscado para o banco criar uma conta corrente para sua empresa.
[Leo] Mas eu só preciso da conta corrente. Não quero nenhum outro produto. Já possuo clientes e dinheiro para depositar…
[Gerente] Você pode enviar o faturamento dos últimos dois anos?
[Leo] Não… Porque a empresa foi aberta este mês…
[Gerente] Entendo. Você pode enviar uma previsão de faturamento dos próximos 6 meses? Um contador precisa assinar. Sem isso, será difícil ter autorização.
E em contato com nosso escritório de contabilidade:
[Contador] Para uma previsão de faturamento para os próximos 6 meses, precisamos ter como base o faturamento dos últimos 12 meses.
[Leo] Mas a empresa foi aberta este mês. Por vocês. Não temos isso ainda.
[Contador] Podemos fazer com base no contrato de prestação de serviços com algum cliente.
[Leo] Ainda não podemos fechar contrato com o cliente, pois precisamos da conta bancária, que somente será aberta se tivermos essa previsão de faturamento para os próximos 6 meses…
No fim das contas, após algumas idas e vindas, nosso escritório contábil gerou o documento necessário com base na proposta comercial aprovada pelo cliente.
De volta ao banco:
[Gerente] Ainda estamos reticentes em abrir a conta corrente para sua empresa. Seria preciso melhorar o relacionamento com o banco.
[Leo] Como assim?
[Gerente] Você precisaria adquirir um de nossos produtos.
[Leo] Tipo?
[Gerente] Cartões de crédito.
[Leo] Ok. Pode ser um.
[Gerente] Vou colocar um de cada bandeira.
[Leo] Ok…
[Gerente] Consórcio de carro?
[Leo] Não dirijo.
[Gerente] De casa?
[Leo] Acho mais vantajoso aluguel…
[Gerente] Nesse caso, fica complicado iniciar um relacionamento.
[Leo] Então não será possível abrir?
[Gerente] Você poderia… Adquirir um consórcio de um carro, pagar a primeira parcela e cancelar no mês seguinte. Eu pontuo, meu time pontua e você fica isento da taxa de abertura da conta.
Depois do sangue ferver algumas vezes, me vendo em um beco sem saída e com zero paciência para procurar outro banco… aceitei. Com muita tristeza. Não pelo dinheiro em si que foi embora, mas por me sentir totalmente extorquido por uma instituição que é um ator importantíssimo no fomento do empreendedorismo.
Depois desta maratona traumática, conseguimos completar todos os passos de nosso fluxo.
Sei que alguns teriam mais fibra/vontade e lutariam por seus direitos, buscariam outros bancos e se associariam somente aos que oferecessem serviços justos. Optamos por engolir este sapo para que a empresa nascesse de vez. Já estávamos no terceiro banco, falando com a vigésima pessoa… Todos os bancos já estavam no mesmo saco.
Até quando teremos essas barreiras imensas que não agregam em nada quem tenta empreender no Brasil? Quantas pessoas capazes e com excelentes ideias não devem morrer na praia exaustas pelas ondas de burocracia?